Face a face não é um upgrade

Face a face não é um upgrade

1 Coríntios 13:12

O que agora vemos é como uma imagem imperfeita num espelho embaçado, mas depois veremos face a face. Agora o meu conhecimento é imperfeito, mas depois conhecerei perfeitamente, assim como sou conhecido por Deus.

O contraste que governa o versículo

Paulo organiza tudo em dois tempos: agora, depois. Agora, percepção por espelho, conhecimento parcial. Depois, face a face, conhecimento pleno, proporcional ao modo como Deus já nos conhece. O eixo não é o que vemos, é como vemos. Troca de mediação por presença.

Espelho de bronze, não de cristal

No mundo de Paulo, espelhos eram placas de bronze polido. Refletem, mas com distorções. A metáfora não fala de ignorância total, e sim de mediação precária. É o suficiente para caminhar, insuficiente para confundir com chegada. Quem confunde lampejo com meio-dia, fabrica dogmas com fumaça.

“Face a face” significa presença direta

“Face a face” é idioma bíblico para encontro sem véus. O sentido natural aponta para Deus, em Cristo, não para um conteúdo doutrinário novo. Não é que saberemos tudo sobre tudo como deuses. É que o modo da relação muda, de reflexo para presença. Presença que ilumina o resto.

“Conhecerei”… o quê, afinal

Paulo omite o objeto. Isso não é descuido, é ênfase. O paralelo “assim como sou conhecido por Deus” qualifica o tipo de conhecer, não o catálogo do que será conhecido. O efeito é amplo: conhecer a Deus diretamente, e, nessa luz, conhecer a nós mesmos, aos outros, à realidade, sem distorções. Sua hipótese é sólida, não se limita a “conhecer a Deus” como tópico isolado. É conhecer por Ele, diante Dele, na medida de criaturas, não de oniscientes.

O que é “o perfeito” que chega

No contexto imediato, “o perfeito” do verso 10 aponta para a consumação, não para um progresso pedagógico qualquer. Leituras que reduziriam “o perfeito” à maturidade da igreja ou ao fechamento do cânon minimizam o contraste duro que Paulo constrói entre provisório e definitivo. O argumento dele é que dons e mediações cessam porque a presença torna-os desnecessários. O amor permanece porque é da ordem do fim, não do meio.

O incômodo prático

Se o fim é presença, nossas certezas performáticas valem pouco. O jogo de provar que estou certo perde brilho quando lembro que, por enquanto, enxergo por metal embaçado. Isso não autoriza relativismo preguiçoso, exige humildade intelectual. Amor, aqui, não é sentimentalismo, é compromisso com a verdade do outro diante de Deus, sem caricaturas convenientes. Teologia sem amor vira ruído, militância identitária disfarçada de fé.

Critério para o agora

Vivo no provisório com honestidade. Busco precisão, mas aceito limites. Leio Cristo como espelho mais claro, sabendo que ainda é penúltimo. Organizo minhas convicções por caridade, não por vaidade. E me preparo para o depois, quando a presença dispensará as muletas do agora.

Fecho: Sem amor, até a ortodoxia continua embaçada.

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